Invisibilidade da pessoa com deficiência no Brasil dificulta o acesso a educação e trabalho.
Texto por: Carolina Ignarra
Se nós, pessoas com deficiência, não somos contabilizadas com precisão, também não somos vistas nem lembradas para construção de políticas públicas que valorizem os nossos interesses e nossa cidadania.
O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou recentemente o módulo Pessoas com deficiência, da PNAD Contínua 2022. Na pesquisa, a contagem indica um total de 18,6 milhões de pessoas com deficiência no Brasil. Esse total aponta um aumento de mais de 1 milhão em relação às informações apontadas na PNAD anterior (2019), que totalizava 17,3 milhões de pessoas com deficiência no país. A nova contagem também se sobrepõe à informação divulgada no Censo de 2010, que contabilizava 45 milhões de brasileiros com deficiência, ou seja, perto de um quarto da população do país na ocasião.
Ainda que questionáveis, especialmente pela forma como foram apuradas, as informações divulgadas mostram que a população de pessoas com deficiência no Brasil representa apenas 8,9% da nação, a partir de 2 anos de idade. Enquanto isso, no mundo, segundo a OMS, a estimativa de pessoas com deficiência atinge um percentual de 15% (1 bilhão de pessoas). Será mesmo que no país da ‘bala perdida’ e dos altos índices de acidentes de trânsito, entre outras causas, estamos abaixo da média mundial?
Essa incongruência nas informações que mapeiam as pessoas com deficiência no país é fruto de um capacitismo estrutural, que prejudica a atuação de governos e sociedade na construção da inclusão produtiva de fato. Se nós, pessoas com deficiência, não somos contabilizadas com precisão, também não somos vistas nem lembradas para construção de políticas públicas que valorizem os nossos interesses e nossa cidadania.
Essa ausência também nos prejudica nas questões de acessibilidade, em todo o país, a educação, emprego e saúde. As novas informações da PNAD escancaram a falta de acesso das pessoas com deficiência à educação e ao emprego.
No mercado de trabalho, segundo a pesquisa, a taxa de ocupação da população brasileira é de 60,7%, enquanto a das pessoas com deficiência fica em apenas 26,6%. Nem metade da realidade de emprego do país. Das pessoas com deficiência que trabalhavam no período avaliado pela PNAD, 55% atuavam na informalidade. Essa taxa cai para 38,7% para pessoas sem deficiência. Não bastasse essa exclusão, a renda média das pessoas com deficiência no país é de R$ 1.860, enquanto a média salarial entre as pessoas sem deficiência é de R$ 2.690 — uma diferença de R$ 830.
A pesquisa revela uma informação ainda mais relevante: quanto mais idade, menor o acesso da pessoa com deficiência à educação. A pesquisa mostra que 71,3% das pessoas com deficiência entre 11 e 14 anos frequentam o ensino fundamental, contra 86,1% das pessoas sem deficiência. No ensino médio, a taxa de frequência é de 54,4% entre as pessoas com deficiência de 15 a 17 anos, contra 70,3% das pessoas sem deficiência. No ensino superior, na faixa entre 18 e 24 anos de idade, a frequência é de, respectivamente, 14,3% e 25,5%.
A taxa de analfabetismo das pessoas com deficiência é de 19,5%, enquanto a das pessoas sem deficiência é de 4,1%. Por que cerca de 20% das pessoas com deficiência não são sequer alfabetizadas? As respostas são inúmeras… Começam na atitude capacitista das famílias, que, por medo e proteção, acabam isolando e impedindo o ingresso da criança com deficiência na vida escolar, até chegar na principal e inicial forma de exclusão que é o ambiente escolar.
A falta de acessibilidade nas escolas acontece em todas as dimensões: arquitetônica, metodológica, instrumental, comunicacional, digital, programática, atitudinal e natural, descritas pelo consultor em inclusão Romeu Sassaki, que faleceu no ano passado.
A idade escolar é a melhor fase para iniciar a cultura de inclusão de pessoas com deficiência, algo que temos feito – infelizmente — apenas nos ambientes corporativos e há bem pouco tempo. Trabalhar a cultura de inclusão é um processo sustentável, que contribui com a qualificação, a socialização e o desenvolvimento pessoal em uma fase muito importante da vida e antes mesmo de chegar ao mercado de trabalho.
As escolas precisam estar atentas a isso e buscar inspiração nas ações de inclusão da pessoa com deficiência que já estão em desenvolvimento no mercado de trabalho. Finalmente, é preciso inverter a ordem do desenvolvimento da cultura de inclusão. A educação é direito de todas as pessoas e para todas as pessoas, com e sem deficiência. Ela aumenta o grau de instrução, desenvolve o intelecto e, tão importante quanto, ajuda na socialização da pessoa com deficiência.
Precisamos insistir em fazer do ambiente escolar um aliado produtivo da inclusão para que o mundo corporativo possa realizar uma inclusão cada vez mais natural, abrindo oportunidades, desenvolvendo e se abastecendo de novos talentos pelas suas capacidades, além de suas características.
*Carolina Ignarra é CEO e fundadora do Grupo Talento incluir, consultoria que já incluiu mais de 8 mil profissionais com deficiência no mercado de trabalho.*